Imóvel na zona norte de SP, ocupado em abril de 2014, por moradores de comunidades localizadas no entorno | Foto: Tânia Rêgo/Arquivo Agência Brasil

Em entrevista ao Boletim 3190 (Abril de 2024) da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), o advogado Alfredo Ribeiro da Cunha Lobo*, sócio deste escritório, aborda panorama atual da Reurb e os desafios para a criação de cidades mais inclusivas

De acordo com dados do último Censo, divulgado em 2022, o Brasil tem déficit de 6 milhões de unidades habitacionais e mais de 236 mil pessoas vivem nas ruas das cidades brasileiras. Segundo o Data Favela 2023, as favelas somam 17,9 milhões de moradores. Esses problemas de habitação chamam atenção para diversas outras questões humanitárias, como a falta de acesso a serviços públicos básicos, renda, educação e saúde, além da vulnerabilidade jurídica desses cidadãos e da dificuldade de acesso ao crédito imobiliário. Trazendo um contraponto para entender qual é o panorama atual da Regularização Fundiária Urbana (Reurb) no Brasil, dados do Ministério da Economia (ME) mostram que, em 2020, cerca de 4,5 milhões de famílias adquiriram suas casas e mais de 2,6 milhões de imóveis foram regularizados. Para analisar esse complexo cenário e como a legislação existente pode ajudar no enfrentamento dos desafios do déficit habitacional e da urbanização desordenada no país, e também o possível caminho para a construção de cidades mais inclusivas, convidamos Alfredo Ribeiro da Cunha Lobo.

Qual é o atual panorama da Reurb no Brasil?

Alfredo Ribeiro da Cunha Lobo: A regularização fundiária deve ser vista como um meio não apenas de legalizar propriedades, mas também de promover o desenvolvimento urbano sustentável e a inclusão social. Na atual situação do Brasil, percebe-se uma maior flexibilidade na legislação, especialmente com a Lei da Reurb, que é uma ferramenta crítica que simplificou o processo de regularização de assentamentos informais urbanos, possibilitando melhor acesso ao direito fundamental à moradia e combate à precariedade das condições de moradia para milhões de pessoas decorrentes de desigualdades sociais, políticas habitacionais inadequadas e especulação imobiliária. Atualmente, contudo, enfrentamos desafios significativos na sua aplicação e na efetiva execução das políticas públicas de habitação e regularização fundiária, pois os Estados e as prefeituras, em geral, optam por terceirizar alguns serviços técnicos para dar andamento a cada etapa do processo de regularização, como contratação de serviços de engenharia e jurídicos. No entanto, muitas vezes não conseguem concluir o processo de regularização fundiária, mesmo com os recursos contratados, ante a complexidade e interdisciplinaridade do tema.

A legislação existente é suficiente para enfrentar os desafios do déficit habitacional e da urbanização desordenada no país?

Alfredo Ribeiro da Cunha Lobo: A legislação existente é considerada boa, mas há uma carência de padronização em alguns aspectos. Ao lidar com projetos de regularização fundiária, muitas vezes nos deparamos com obstáculos nos cartórios. A falta de uniformidade na recepção da documentação de Reurb por parte dos cartórios, sem diretrizes claras da coordenação das Corregedorias Estaduais ou do próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), resulta em diferentes interpretações e exigências de cada cartório, dificultando a conclusão dos projetos. A ausência de um padrão e de prazos a serem respeitados pelos ofícios de imóveis é um dos principais desafios enfrentados nesse contexto. Além disso, outra questão relevante é o prazo temporal estabelecido pela legislação para a regularização, que só permite regularizar (via Reurb) áreas consolidadas até 2016. No entanto, nos municípios, a falta de fiscalização compromete a eficácia do ordenamento territorial urbano. Regularizar um bairro hoje não resolve o problema, se amanhã novas invasões ocorrerem e não forem fiscalizadas. Portanto, é essencial uma fiscalização mais eficiente para evitar o crescimento descontrolado dessas situações e garantir a efetividade da legislação de regularização fundiária.

Na sua opinião, qual caminho deve ser trilhado para a construção de cidades mais inclusivas?

Alfredo Ribeiro da Cunha Lobo: Para a construção de cidades mais inclusivas, um caminho importante é realizar um levantamento detalhado dos imóveis vazios existentes. Muitas vezes, durante processos de regularização fundiária, são identificados espaços ociosos que poderiam ser utilizados para alocar pessoas que vivem em áreas de risco ou em situação precária. Esses lotes vazios representam uma oportunidade real de proporcionar moradia digna e segura para essas comunidades. No entanto, o desafio reside na falta de recursos para a construção de habitações nessas áreas. Apesar da disponibilidade de terrenos, muitas vezes propriedade dos municípios ou do Estado, a falta de investimento em infraestrutura e habitação impede a efetivação desse processo. Portanto, é essencial que políticas públicas sejam direcionadas para viabilizar a construção de moradias acessíveis e adequadas para as pessoas realocadas. Além disso, é fundamental promover parcerias entre setor público, setor privado e organizações da sociedade civil para buscar soluções inovadoras e sustentáveis para o problema habitacional. Investimentos em programas de habitação de interesse social, incentivos fiscais para construção de moradias populares e aprimoramento das políticas de acesso à terra são algumas das medidas que podem ser adotadas para tornar as cidades mais inclusivas e garantir o direito à moradia digna para todos os cidadãos.

*Alfredo Ribeiro da Cunha Lobo é advogado, sócio do escritório Miranda Lima & Lobo Advogados e membro da Comissão Especial de Advocacia Municipalista do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e das Comissões de Regularização Fundiária e de Direito Imobiliário da OAB-DF.

*Conteúdo editado

Fonte: AASP

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